Por Pietro Vanni, diretor médico da Clínica Gravital, com contribuição dos seguintes médicos da Clínica Gravital: Dra. Letícia Mayer, Dr. João Régis e Dra. Iara Andrade.
25 de Outubro de 2024.
A Clínica Gravital, desde o início de suas atividades em 2019, tem como princípio fundamental buscar o melhor tratamento possível para o paciente. Esse compromisso envolve tanto a definição de uma conduta médica adequada quanto a escolha cuidadosa da medicação. No caso da cannabis medicinal, essa escolha é complexa devido à grande variedade de produtos disponíveis, embora existam apenas três formas de obtenção. A primeira, e atualmente a mais utilizada, é a importação via RDC 660. Há dois grandes motivos para isso: maior variedade e menor custo. A segunda opção é a aquisição nas farmácias, regulamentada pela RDC 327, e a terceira é a obtenção via associações de pacientes.
Recentemente, o SINDUSFARMA (Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos) solicitou a revogação pela ANVISA da RDC 660, argumentando que os 37 produtos aprovados pela agência, segundo a RDC 327, seriam suficientes para atender os pacientes, tornando desnecessária a regulamentação para importação direta de cannabis por pessoa física. Essa lógica é falha, pois a existência de produtos nacionais não elimina a necessidade de opções importadas por si só – assim como a presença de frutas nacionais não elimina as importadas dos mercados. Essa comparação esdrúxula serve para ilustrar a fragilidade do argumento do sindicato, que parece enviesado desde o início.
Outra questão levantada pelo SINDUSFARMA é o controle de qualidade dos produtos importados via RDC 660, alegando que “grande parte deles não cumpre requisitos mínimos de qualidade lote a lote”. Essa afirmação carece de base concreta, e seria prudente que a fonte dessa informação fosse apresentada. Embora existam produtos sem comprovação de qualidade, a solução está na revisão dos critérios de controle de qualidade e não na extinção da importação. Todos os produtos da RDC 660 prescritos pela Clínica Gravital atendem aos requisitos de qualidade, sendo avaliados por meio de certificações de análise de lote a lote. Além disso, muitos produtos da RDC 327 são fabricados pelas mesmas empresas que exportam via RDC 660.
O sindicato também menciona a toxicidade do canabidiol (CBD), sugerindo riscos sem embasamento científico, inclusive citando uma suposta preocupação com o uso por crianças. No entanto, o CBD é amplamente documentado como seguro, especialmente em comparação com medicamentos vendidos livremente em farmácias brasileiras. Em muitos países, o CBD é comercializado sem receita médica devido ao seu excelente perfil de segurança. Existem, de fato, riscos, mas eles são extremamente baixos, e até hoje não há relatos de mortes causadas diretamente pelo uso do CBD ou qualquer outro canabinoide. Também aproveito para lembrar – pois o sindicato aparenta ter esquecido – que é necessário uma consulta e prescrição médica para obtenção dos produtos, trazendo ainda maior segurança para suas utilizações.
É evidente que esse ofício negligencia a perspectiva do paciente. A RDC 660, junto com as associações, foi fundamental para o crescimento da cannabis medicinal no Brasil, oferecendo produtos acessíveis. A acessibilidade é essencial para qualquer tratamento, e a questão do controle de qualidade deve ser tratada como uma questão regulatória, não uma justificativa para eliminação de opções. Dependendo exclusivamente da RDC 327, dificilmente um tratamento custaria menos de R$ 500 por mês, o que o torna inviável para a maioria dos brasileiros. Comparando preços por miligrama de CBD, encontram-se produtos da RDC 660 custando R$ 0,03 por mg (com certificação de análise completa), enquanto o produto mais barato da RDC 327 custa R$ 0,25 por mg – uma diferença de custo que não pode ser ignorada.
A prioridade de qualquer médico e de qualquer órgão que promova a saúde deve ser o paciente, pois é este que necessita do tratamento. A proposta do SINDUSFARMA desconsidera essa realidade. O desenvolvimento da cannabis medicinal no Brasil ainda está acontecendo, e há espaço para todas as vias – RDC 327, RDC 660 e associações de pacientes. O foco deve estar no aprimoramento do controle de qualidade e acesso para todas essas vias, sem a necessidade de eliminar nenhuma. Por fim, aproveito para trazer a atenção para a quarta via, ainda inexistente, que tem o potencial de trazer acessibilidade com controle integral da qualidade: a produção nacional de produtos de cannabis, desde o cultivo até a formulação final.