Ilma. Agência Nacional de Vigilância Sanitária,
Considerando que, dentre as competências da Colenda Quinta Diretoria (DIRE5) da Anvisa, há a atuação na formulação de diretrizes e no estabelecimento de estratégias, bem como a atuação nas atividades relacionadas à importação e exportação de produtos sujeitos à vigilância sanitária, viemos respeitosamente por meio desta manifestação trazer contribuições e a visão da Clínica Gravital, clínica médica
estabelecida na cidade do Rio de Janeiro – RJ e com filiais nas cidades de São Paulo – SP, Porto Alegre – RS, Natal – RN, Sorocaba – SP e Curitiba – PR, que retrata a sociedade civil através de seus inúmeros pacientes, especialmente àqueles que utilizam a cannabis
como forma de tratamento para diversas condições e doenças.
Ademais, a Colenda Segunda Diretoria (DIRE2) da Anvisa, desempenha funções principais na etapa pré-mercado, nas avaliações de medicamentos específicos, fitoterápicos e similares, dentre outros.
A presente manifestação visa apresentar contribuições com o objetivo de fornecer subsídios e promover o debate da matéria, e, caso necessário, para o conseguinte encaminhamento e deliberação final da Diretoria Colegiada (Dicol). Nesse sentido, dentre as competências da Dicol estabelecidas pela Lei n.o 9.782, de 1999, verifica-se a competência para a edição de normas sobre matérias de competência da Agência (ANVISA), que devem ser acompanhadas de justificativas técnicas e, sempre que possível, de estudos de impacto econômico e técnico no setor regulado e de impacto na saúde pública, dispensada essa exigência nos casos de grave risco à saúde pública. Em observância à Política de Governança Organizacional da Anvisa, que estabelece que a Dicol é a instância responsável por estabelecer direções a serem tomadas, com fundamento em evidências e levando em conta os interesses da sociedade brasileira e das partes interessadas, razão pela qual passamos a expor fundamentos, conforme seguem.
Desde 19.7.2023 acompanhamos com atenção e apreensão as implicações da Nota Técnica nº 35/2023/SEI/COCIC/GPCON/DIRE5/ANVISA que determinou a proibição ampla, geral e irrestrita de flores de cannabis medicinal, sejam elas in natura ou devidamente industrializadas.
Mais recentemente tornou-se público também o teor da Petição protocolada na data de 31.7.2023, em resposta a um esclarecimento solicitado pelo Juiz na Ação Popular no 1070454-02.2023.4.01.3400 movida por G.V.S. em desfavor da ANVISA, que tramita perante a 1a Vara Federal do Distrito Federal.
Em primeiro lugar, é importantíssimo destacar que a Clínica Gravital se solidariza com a parte essencial das motivações que levaram à atitude deste regulador. Inclusive, já eram indicados indícios de condutas de abusos e excessos por parte de irrisória parcela da indústria, que poderiam ser prejudiciais à imagem da cannabis medicinal no Brasil.
Ainda, necessário ressaltar que a Clínica Gravital acompanha esta e as demais orientações e determinações publicadas pela Agência, cumprindo as resoluções e normas sobre o tema, sendo que a presente manifestação possui o caráter tão somente colaborativo, a fim de contribuir com os debates sobre o tema.
Desnecessário mencionar que a luta pela desestigmatização da cannabis medicinal é objetivo primordial de nossa entidade. A clínica disponibiliza atendimentos médicos com profissionais qualificados e tecnicamente preparados para tratamentos com cannabis medicinal, possibilitando um acompanhamento adequado aos pacientes que buscam tal terapêutica. Razão pela qual, quando observamos tais condutas
ocorridas, acenderam-se alertas sobre potenciais impactos que ao final poderiam reverter em prejuízos a pacientes que efetivamente usam as flores de cannabis industrializadas para tratar e amenizar distintas condições clínicas.
Neste sentido é louvável e meritória a atenção que esta agência trouxe ao tema. Infelizmente, a ação do regulador veio antes de que a própria indústria pudesse agir para tentar impor limites a determinadas condutas numa espécie de autorregulação.
Uma vez esclarecido que somos favoráveis a medidas que inibam comportamentos deletérios para a indústria e demais setores da cannabis, tecemos nossos pontos de discordância e trazemos nossas demandas e sugestões.
Antes de adentrarmos em outros pontos, esclarecemos um aspecto que talvez tenha chamado a atenção do leitor até aqui desta manifestação. Separamos as flores in natura das de flores industrializadas. Denota-se do teor da RDC no 660/2022, que as flores de cannabis in natura não estavam e nunca estiveram permitidas no Brasil. Apenas flores de cannabis industrializadas, isto é, que passaram por um rigoroso
processo de manufatura que retiram da planta seu caráter de mero insumo vegetal para transformá-lo, através de processos de boas práticas de cultivo e processamento, em um produto industrializado de cannabis.
Assim, fatores como: seleção genética, clonificação, purificação do solo, substratos, e da água para remoção de contaminantes, estrito controle dos nutrientes, manipulação cuidadosa do cultivo seguindo inclusive certificações de Good Agricultural and Collection Practices (GACP, em português (Boas práticas agrícolas e de coleta) em ambientes controlados, colheita, separação, desbaste, testagem de qualidade, embalagem com qualidade farmacêutica, rotulação, separação em lotes, determinação de condições de armazenagem e indicação de uma data de vencimento, certificados de análise disponível para consulta e informações de testagem. Enfim, trata-se de um cuidado similar ao cuidado com a produção de fármacos. Essa série de fatores é determinante para fazer com que as flores, tanto ricas em canabidiol (CBD), em delta-9 tetrahidrocanabinol (THC), como mistas possam ser consideradas pela ANVISA como um Produto Derivado de Cannabis nos termos da RDC 660/2022 (aquele que passa por um processo industrialização), e assim ter a importação autorizada pela RDC 660/2022. Era o que vinha corretamente fazendo a agência, dentro das possibilidades regulatórias e de controle efetivo sobre as flores que ingressavam no Brasil.
Uma vez esclarecido qual o conceito de flores que entendemosse enquadrar como um Produto Derivado de Cannabis para fins da Resolução 660/2022, voltamos à Nota Técnica no 35/2023 emitida pela ANVISA.
Em primeiro lugar, entendemos que a medida foi tomada de forma açodada e sem consultas à sociedade para entender seus impactos nos pacientes. Essa forma de atuar com escuta à sociedade vinha sendo a tônica da ANVISA em relação ao tema da cannabis. Com base em pesquisas realizadas no setor, estima-se que pelo menos 20 mil pacientes estavam utilizando flores de cannabis como fonte de administração de canabinoides. Ou seja, a via de administração inalatória oral por vaporização já vinha sendo usada por milhares de pacientes. Um ponto reforçado pela Nota Técnica no 35/2023, diz respeito à preocupação da ANVISA com a saúde pública. Preocupação aliás que é a
própria razão de ser desta Agência. Ocorre que, passados 7 anos do início da importação de produtos à base de cannabis para o Brasil, mesmo levando em consideração as adequadas ponderações da ANVISA na referida Nota Técnica, não se conhece ou se tem
notícia de qualquer concretização de um fato, ação ou consequência de que a saúde pública do brasileiro teve alguma materialização de algum risco devido às importações de cannabis para uso medicinal. Independente se na forma de flores ou outras vias de administração.
Muito ao contrário. Conforme melhor demonstrado adiante, as mídias de caráter informativo e jornalístico reportam de forma positiva os diversos relatos de casos e pacientes que fazem o uso do tratamento e obtém melhora global em sua qualidade de vida, ensejando melhores relações sociais, profissionais do paciente, bem como de familiares e cuidadores. Também se percebe o crescimento de divulgações com a
realização de diversos congressos e cursos sobre o tema da cannabis medicinal, bem como o constante crescimento do setor empresarial que se encontra com diversas ramificações para atender o objeto principal, oriundo da cannabis medicinal.
Ou seja, na verdade a ANVISA teve enorme sucesso em criar um sistema que permitiu – inicialmente de forma burocrática e morosa que posteriormente fora otimizada através da emissão de autorização automatizada, o acesso à classe médica e aos pacientes a utilização de produtos à base de cannabis em seu arsenal terapêutico sem um único caso de danos à saúde pública reportado, investigado e concluído que
tenha sido uma consequência do acesso a estes produtos na forma preconizado pela ANVISA.
Reconhecer o direito do paciente e do médico em assumirem, de forma livre de coação, espontânea, esclarecida, o risco de utilizar um produto não avaliado quanto à segurança e eficácia pela Agência não se mostrou no mundo real um problema sanitário. Mesmo pelo uso da administração inalatória oral de flores de cannabis vaporizadas.
A Nota Técnica no 35/2023 afirma que os produtos não tiveram sua eficácia, qualidade ou segurança avaliados pela Anvisa, razão pela qual sua importação foi autorizada de forma excepcional; mas recai em contradição ao fundamentar a proibição da importação de flores por inexistência de evidências científicas robustas que comprovem a segurança, restando evidente o caráter de auto responsabilização pela
própria Anvisa acerca da segurança dos produtos. Nesse aspecto, tal entendimento posto na referida Nota Técnica, viola os termos da própria RDC no 660/2022, expressamente quanto aos artigos 17 e 18:
- Art. 17. A responsabilidade, pelos danos à saúde individual ou coletiva e ao meio ambiente, decorrente da alteração da finalidade de ingresso do produto no território nacional é do importador.
- Art. 18. A prescrição realizada pelo profissional e a solicitação de Autorização pelo paciente ou seu responsável legal representam a ciência e o aceite por ambos da ausência de comprovação da qualidade, da segurança e da eficácia dos produtos importados, bem como pelos eventos adversos que podem ocorrer, sendo o profissional prescritor e o paciente ou seu responsável legal totalmente responsáveis pelo uso do produto.
É muito grave retirar o direito de milhares de pacientes à continuidade de um tratamento que lhe vinha sendo favorável por um argumento que não se sustenta na prática e na realidade da sociedade brasileira. Não foi baseado em algum estudo bioestatístico, em relatos de unidades básica de saúde, pronto socorros, hospitais ou mesmo em estudos da área de humanas que fundamentaram a precipitada conclusão
de que abolir o acesso controlado de pacientes à canabinóides com via de administração inalatória representasse um ganho à saúde pública. Pelo contrário, pacientes estão sendo prejudicados.
É o caso de pacientes em acompanhamento médico perante nossa Clínica, cujos nomes serão preservados, que relataram a sua relação com o uso das flores industrializadas de cannabis:
G.C., idade 28 anos, que relata: “Encontrei nas flores de cannabis a qualidade de vida que tanto sonhava. Por muitos anos sofri com crises severas de ansiedade que não me permitia ter uma vida normal, pois estava atrapalhando o meu convívio em sociedade (…) Então encontrei uma forma de controlar rapidamente as crises, através da vaporização das flores de cannabis, pois os efeitos surtiam em questão de minutos e assim eu consegui ter uma resposta positiva e controlar os sintomas. Gostaria de ter o direito de continuar com o meu tratamento!”.
O paciente P.C., idade 34 anos, relata que “para mim, as flores são uma das formas mais rápidas para diversas crises de ansiedade. A administração inalatória parece mais responsiva, ajudando que evite não somente crises como a compulsividade que uma crise gera. (…) Espero muito que a Anvisa repense o que vem acontecendo, não somente por mim, como para diversas famílias com problemas maiores que o meu e que dependem muito mais desse medicamento.”.
Ainda, o relato do paciente M.A., idade 52 anos: “Venho manifestar profunda tristeza com tamanho retrocesso que esta agência vem operando, com a proibição da importação das flores de maconha medicinal comprometendo milhares de tratamentos bem-sucedidos com este medicamento milenarmente conhecido e utilizado (…) Eu vinha e venho tendo melhoras gigantescas na minha qualidade de vida, nas melhoras dos meus problemas relacionados a dores crônicas, ansiedade e depressão, e estou agora num grande conflito do que irei fazer para continuar o meu tratamento com maconha”.
Ainda, o Anexo I juntado a esta manifestação, traz outros relatos de pacientes que faziam o uso das flores de cannabis e tiveram seu tratamento médico interrompido em razão da proibição imposta pela Nota Técnica no 35 de 2023. A mídia reportou os impactos negativos ocasionados pela proibição da importação das flores de cannabis, trazendo relatos de prejuízos sofridos por pacientes
pela interrupção abrupta do tratamento de saúde, como na matéria publicada em 15/09/2023 pelo portal nacional de notícias “Sechat”, acessível no link https://sechat.com.br/eu-tive-os-baneficios-da-flor-de-cannabis-e-ela-me-foi-tirada-afirma-paciente/
Importa destacar trecho da reportagem:
É considerando os milhares de relatos como os acima que acreditamos que existe sim um caminho virtuoso que é a Agência auxiliar a elevar a qualidade e segurança dos produtos que ingressem ao Brasil. Além de tomar medidas que auxiliam, se não inviabilizam totalmente, o potencial desvio de flores para um mercado ilícito. Conforme iremos abordar mais à frente.
Dentre esses milhares de pacientes, é seguro afirmar que sua imensa maioria, se não quase totalidade, são de pacientes que de forma alguma representam riscos de desviar produtos, um dos riscos corretamente levantados pela Agência ao proibir a importação irrestrita das flores. Hipoteticamente, se houve indício ou ocorrência de desvio de produtos, tal desvio poderia ser rechaçado através de medidas fiscalizatórias sobre estes casos específicos ou ainda, em etapa prévia, com maior rigor ao conceder autorização individual de importação de flores de cannabis, limitando a quantidade por paciente importador, exemplo de evolução regulatória simples de ser implementada.
Para fins de contextualização, quando recentemente o governo federal alterou as regras tributárias para produtos importados adquiridos por pessoa física em sites estrangeiros, a saída não foi a abrupta proibição da importação, pois isso prejudicaria milhões de brasileiros já habituados a adquirir produtos baratos e inéditos do exterior. As medidas tomadas pelo Estado foram no sentido de disciplinar esse
comércio, impondo limites e regras tanto para os consumidores quanto para as empresas exportadoras. Houve um acordo amplo entre as partes envolvidas.
Entendemos que por afetar a saúde de milhares de pessoas, essa conversa pública deveria ter sido feito em relação às flores de cannabis. A proibição ampla, geral e irrestrita, para livrar-se de algo secundário ou indesejado que seria o potencial desvio, perde algo valioso e essencial se bem utilizado que é a oportunidade de tratamento com cannabis medicinal sob via inalatória oral.
Os pacientes teriam que ter sido escutados, os milhares de médicos prescritores deveriam ter tido a oportunidade de vir a público esclarecer como sua prática estava ajudando os pacientes. Os farmacêuticos poderiam ter explicado como uma flor se transforma de uma flor in natura para uma flor industrializada pronta para consumo seguro conforme já abordamos acima. Os agentes de mercado poderiam ter
trazido dados de formas de administração de cannabis medicinal mais usadas em países como Israel, EUA, Alemanha, Austrália e outros. Agentes internacionais poderiam ter sido ouvidos para indicar como a cannabis medicinal na forma de flores afetou a segurança pública e assim por diante. Seria de fato um trabalho longo. Mas necessário. Porém nada disso ocorreu. Após mais de ano permitindo a entrada de flores, de supetão e de forma unilateral e arbitrária, as flores foram proibidas. E proibidas por meio de uma Nota Técnica e não por meio de uma Resolução colocada sob audiência pública.
Em decisão publicada recentemente, o governo de Minnesota nos Estados Unidos, aprovou a inclusão da vaporização de flores de cannabis à lista de métodos de entrega aprovados do programa estadual de cannabis medicinal. Tal método de entrega foi aprovado pela comissária de saúde de Minnesota, Dra. Brooke Cunningham, visando “fornecer uma opção adicional de ação rápida para os pacientes”.
Tal notícia foi publicada em https://www.health.state.mn.us/news/pressrel/2023/cannabis113023.html em30/11/2023, sendo que alguns trechos traduzidos seguem em destaque:
Desta forma, importante observar a evolução mundial sobre o reconhecimento da via de administração de vaporização de flores de cannabis para tratamento de condições de saúde, inclusive através de fornecimento em programas oficiais governamentais de saúde.
No caso acima referido, em Minnesota (EUA), o programa de distribuição de cannabis medicinal é disponibilizado para cidadãos residentes no local, que possuam alguma das seguintes condições: doença de Alzheimer, Esclerose lateral amiotrófica (ELA), Transtorno do espectro do autismo, deve atender ao DSM-5), Câncer, Transtorno motor ou tique vocal crônico, Dor crônica, Glaucoma, VIH/SIDA, Doença inflamatória
intestinal, incluindo doença de Crohn, Dor intratável, Síndrome do intestino irritável, Transtorno obsessivo-compulsivo, Apneia obstrutiva do sono, Transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), Convulsões, incluindo aquelas características da epilepsia,
Espasmos musculares graves e persistentes, incluindo aqueles característicos da esclerose múltipla (EM), Anemia falciforme, Doença terminal, com expectativa de vida provável inferior a um ano, síndrome de Tourette, de acordo com as informações constantes em https://www.health.state.mn.us/people/cannabis/patients/conditions.html
Antes de apresentar sugestões sobre como uma regulação poderia ser implementada para atender as preocupações do regulador, tecemos alguns pontos em relação à cannabis medicinal na forma de flores. É a via de administração amplamente utilizada em diversas condições clínicas, tais como:
- Dores crônicas: National Academies of Sciences, Engineering, and Medicine; Health and Medicine Division; Board on Population Health and Public Health Practice; Committee on the Health Effects of Marijuana: An Evidence Review and Research Agenda. Washington (DC): National Academies Press (US); 2017 Jan 123;Wilsey BL, Deutsch R, Samara E, Marcotte TD, Barnes AJ, Huestis MA, Le D. A preliminary evaluation of the relationship of cannabinoid blood concentrations with the analgesic response to vaporized cannabis. J Pain Res. 2016 Aug 31;9:587-98. doi: 10.2147/JPR.S113138. PMID: 27621666; PMCID: PMC50128514; Wilsey B, Marcotte TD, Deutsch R, Zhao H, Prasad H, Phan A. An Exploratory Human Laboratory Experiment Evaluating Vaporized Cannabis in the Treatment of Neuropathic Pain From Spinal Cord Injury and Disease. J Pain. 2016 Sep;17(9):982-1000. doi: 10.1016/j.jpain.2016.05.010. Epub 2016 Jun 7. PMID: 27286745; PMCID: PMC50071755 Wilsey B, Marcotte T, Deutsch R, Gouaux B, Sakai S, Donaghe H. Low-dose vaporized cannabis significantly improves neuropathic pain. J Pain. 2013 Feb;14(2):136-48. doi: 10.1016/j.jpain.2012.10.009. Epub 2012 Dec 11. PMID: 23237736; PMCID: PMC3566631.6
- . Insônia: Vigil JM, Stith SS, Diviant JP, Brockelman F, Keeling K, Hall B. Effectiveness of Raw, Natural Medical Cannabis Flower for Treating Insomnia under Naturalistic Conditions. Medicines (Basel). 2018 Jul 11;5(3):75. doi: 10.3390/medicines5030075. PMID: 29997343; PMCID: PMC6164964.7 Feinberg I, Jones R, Walker JM, Cavness C, March J. Effects of high dosage delta-9-tetrahydrocannabinol on sleep patterns in man. Clin Pharmacol Ther. 1975 Apr;17(4):458-66. doi: 10.1002/cpt1975174458. PMID: 164314.8
- Agitação/irritabilidade, ansiedade e estresse comum: Stith, S.S., Li, X., Diviant, J.P. et al. The effectiveness of inhaled Cannabis flowerfor the treatment of agitation/irritability, anxiety, and common stress. JCannabis Res 2, 47 (2020). https://doi.org/10.1186/s42238-020-00051-z.9
- É a via de administração com biodisponibilidade rápida e apropriada para distintas condições
- As flores de cannabis medicinal não são o equivalente a flores in natura, mas sim flores produzidas sob rigoroso controle de qualidade e processo de industrialização que retira das flores seu caráter de in natura. Limitar o acesso a flores com essas características já limita bastante e ajuda a controlar tanto os fornecedores quanto a qualidade do produto que ingressa ao Brasil. Esses produtos costumam ser produzidos em ambientes controlados, com certificações rigorosas, muitas vezes concedidas pelas mais altas autoridades de saúde dos países de origem.
- A Euro Farmacopeia, a ser adotada a partir de 2024, define padrões objetivos sobre o que seriam flores de cannabis para uso medicinal, conforme disposto nas publicação nos seguintes links:
- https://www.edqm.eu/en/-/ph.-eur.-pre- publishes-cannabis-flower-monograph-on-the-edqm-website
- https://www.edqm.eu/documents/52006/275868/Monograph+-+Cannabis+flower.pdf/f34af7bd-c4ec-9c05-1120-9a20cb2182e3?t=1696424478952
Há ainda uma tecnicalidade que poderia ser alegada pela ANVISA em relação às flores. Mas que precisa ser revista pela mesma razão que fez com que a Agência precisou criar uma resolução criando uma regulação específica para regular os “produtos à base de cannabis”. Essa planta e sua relação com a humanidade é especial e por isso exigiu um tratamento especial do regulador. Se ainda não se reconhece como
farmacêutica a via de administração de plantas secas por meio de vaporização ou combustão, isso não significa que ela não seja uma via de administração amplamente utilizada para determinadas substâncias. A ANVISA não pode ignorar a realidade cultural, a história da humanidade, a própria evolução da medicina e práticas milenares, sendo que o uso da cannabis há muitos anos vem sendo mais aperfeiçoado, com ampliação de aplicabilidades e identificação de novos benefícios para tratamentos de diversas condições clínicas, com embasamento e respaldo científico. Tampouco deveria desconsiderar posições de governos como do Uruguai cujo Ministério da Salud registra flores de cannabis, ou da Alemanha e Israel. Sim, é um desafio para os reguladores, mas entende-se como necessária a suspensão da Nota Técnica no 35, visto que incongruente com a realidade da sociedade que reconhece e adota as flores de cannabis como uma via de administração eficaz e de rápido efeito, presente também em séculos de história das práticas da humanidade.
A via de administração inalatória oral por vaporização de cannabis está para a indústria farmacêutica assim como o cisne negro estava até 1697, quando o explorador holandês Willem de Vlamingh lhes avistou. Ou seja, as vezes o mundo real traz evidências que derrubam conceitos e que fazem com que a sociedade, e especialmente os reguladores, precisam rever suas normas e adaptá-las e reconhecer que sim, existem outras formas de se lidar com assuntos que são específicas. É fundamental que as normas e resoluções acompanhem os avanços conforme as demandas sociais da sociedade. Se por absurdo descobre-se que há uma outra planta que pudesse tratar e curar, no sentido mais rigoroso da palavra, determinadas condições clínicas, mas que ela precisa ser ingerida de forma inalatória terá um regulador legitimidade para negar a cura meramente porque esta via não é, na data em que cabe ao regulador aprovar essa substância, uma via farmacêutica aceita? Seria importante reconhecer a legitimidade dos estudos científicos e de casos clínicos reais, que efetivamente apresentam benefícios
à saúde de diversos pacientes.
É notório que a agência sabe tratar situações especiais. Não à toa editou as Resoluções 660 e 327. Mesmo tratamento especial merecem as flores. A cannabis de uso medicinal vem trazendo desafios regulatórios a todas as agências de saúde do mundo. Não é trivial a aceitação de uma via de administração não convencional para os padrões farmacêuticos, mas que, para determinada substância, é um padrão milenar. Há
que se fazer uma abordagem concreta. O fato de até agora a combustão de flores não ser considerado uma via de administração do ponto de vista estritamente regulatório não apaga a realidade concreta de que milhões de pacientes no mundo utilizam a vaporização de flores de cannabis como uma via de administração de canabinoides em seu organismo. A Clínica Gravital se oferece para auxiliar na evolução dos normativos brasileiros preservando os princípios elementares da atuação da ANVISA, bem como diversos outros setores da indústria se mostrariam colaborativos neste sentido. A via inalatória traz características únicas devido a sua rápida biodisponibilidade dos canabinoides no organismo e por isso melhor capacidade de controle e dosagem pelo médico e paciente. Isso a torna única e eficiente.
Demais setores, como da indústria da cannabis, seguramente teriam importante contribuições a dar para o tema. Contribuições equilibradas que contemplassem tanto o acesso do paciente quanto as justas preocupações elencadas pela Anvisa em sua NT. Nesse sentido, poderíamos sugerir, por exemplo, medidas simples e que o setor esperaria e aplaudiria tais como:
- Limitação de uma quantidade em gramas para as compras de flores pelos
pacientes; - Controle maior dos fornecedores habilitados a enviar flores para o Brasil dos quais poderia exigir-se, por exemplo, registro no País de origem em seus ministérios de agricultura ou saúde;
- Exigência de certificados de boas práticas de cultivo (GMP) e de produção (GACP) das flores que pudessem ser enviadas ao Brasil;
- Controle em sistema a parte ou em seções especiais do sistema sem a aprovação automática para flores ou com diligência especial nas empresas para integrar a lista de aprovação acelerada, e com maior controle e capacidade de fiscalização aos profissionais prescritores para se permitir melhor a identificação de potenciais abusos.
- Proibição de flores borrifadas com canabinoides semi-sintéticos como o Delta8 THC.
- Enfim, há uma série de caminhos alternativos que atenderiam o anseio da ANVISA no que diz respeito ao receio de desvios e quanto à qualidade e segurança das flores.
Em resumo, está-se lidando com a saúde e qualidade de vida de milhares de brasileiros. Resta irrazoável interromper o conforto e melhoria de bem-estar de milhares de pacientes que por, em alguns casos, período superior a um ano conforme breves relatos trazidos nesta manifestação, agora abruptamente lhes retira a oportunidade de seguir seu tratamento com uma via de administração que lhes foi eficiente. Tudo isso sem ouvi-los, sem ouvir a sociedade, e dessem apresentar argumentos válidos, mas que com certeza poderiam ter sido trabalhados de outras formas sem que fosse fechada totalmente a via de acesso através da importação.
É papel do regulador encontrar o equilíbrio entre o acesso de pacientes a determinado produto que tanto eles quanto seus médicos estão confortáveis de utilizar, e ao mesmo tempo colocar regras que preservem os princípios da qualidade e segurança dos produtos assim como evitar abusos e desvios. Tal qual já é feito em relação a outras substâncias.
Em consequência a proibição da importação de flores, vemos um elevado risco de ampla judicialização que será extremamente custosa para o Estado ao ter que defender sua posição em dezenas, talvez centenas, de ações interpostas por pacientes Brasil a fora. O caminho da abertura do mercado da cannabis no Brasil se deu justamente pelo excesso de judicialização visto que os tribunais levam muito a sério a saúde e a
opinião dos médicos. Cabe apenas à Anvisa alterar de forma inteligente e eficaz suas resoluções para permitir o acesso à flores e ao mesmo tempo dificultar ao máximo os mal usos e desvios dessa substância. Com o qual pode contar com o comprometimento da indústria no atendimento de requisitos e diretrizes a serem impostas para que tal objeto seja alcançado.
Nesse sentido viemos respeitosamente solicitar:
(1) A imediata revogação da NT 35 com suspensão de seus efeitos em benefício dos pacientes;
(2) A discussão de uma nova Resolução que ao mesmo tempo que preserve a liberdade de prescrição médica e respeite a escolha do paciente, estipule requisitos, regras e limites que atendam os preceitos da segurança e qualidade dos produtos e atende para minimizar riscos de desvio ao mercado ilícito de flores;
(3) Que defina e distinga flores in natura de flores de cannabis industrializada.
Atenciosamente,
Rio de Janeiro, 19 de dezembro de 2023.
Joaquim Dias de Castro, Marina Bortolon Moreira
fundador da Clínica Gravital OAB/RS 96.638
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Referencias:
5 https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/27286745/
6 https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/23237736/
7 https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC6164964/
8 https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/164314/
9 https://jcannabisresearch.biomedcentral.com/articles/10.1186/s42238-020-00051-z